O Brasil Passado a Sujo

"Vou fazer uma exposição bem forte, para mover o povo a pensar sobre política."

Pouco antes do vernissage de Zumbigos, Sonia Lins já planejava a sua terceira mostra. Depois de falar da subjetividade e da coletividade nas exposições anteriores, aspirava tratar da sociedade brasileira e de suas mazelas. Este era o propósito de Brasil passado a sujo, inaugurada em abril de 2003 na praça do Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro. "Quero chamar a atenção dos brasileiros, que parecem estar sempre apáticos, apolíticos. Não podemos achar que o berço é esplêndido, porque tem sido um berço muito incômodo", dizia a artista.

Apesar de realizada em um período difícil, em que Sonia lutava contra o câncer, e do tema sério, a mostra se baseou no humor característico da artista. A começar pela sua ambientação. "Eu gosto muito da coisa divertida, então lembrei de fazer uma barraca de circo. Deve ser um resto de infância, que todo mundo leva até o final da vida", explicou Sonia, em entrevista.

Foi assim que surgiram na área livre do Centro Cultural Correios três barracas. A primeira, intitulada Terra desprometida, era devotada à questão da reforma agrária. O espaço foi ocupado por uma instalação que sugeria um campo dividido, sobre os quais parecia chover um maná virtual – referencia ao alimento que Deus mandou cair do céus para saciar a fome dos hebreus durante a sua fuga da escravidão no Egito.

A segunda lona chamava-se Demogogia, centrada na figura do diabo. Em torno dele, jornais de várias épocas, destacando discursos políticos carregados de promessas, pareciam queimar. "Toda a tenda é trabalhada em cima do inferno, demônio, engano. Eu acho que a demagogia no fundo é uma coisa do demo", descreveu Sonia.

A última tenda, intitulada Cor-opção, apresentava imagens de supostos políticos corruptos. Para compô-las, Sonia misturou traços de corruptos reais, até torna-los irreconhecíveis. "A graça está em reconhecer a testa de um, o bigode de outro", recomendou a revista Veja Rio.  Um vídeo mostrava uma bandeira do Brasil que perdia as cores e enegrecia. A exposição multimídia era encerrada por um filme dirigido por Walter Carvalho, intitulado Fome. 

Numa entrevista à sobrinha Marilia Andrade, na época, Sonia falou sobre a aventura de empreender artisticamente:   "A arte agora é assim, você tem de juntar todos os elementos para poder dar ideia do que está se passando na sua cabeça. São instalações complicadas, que eu imagino e ponho uma turma para trabalhar para mim. Dessa vez eram uns 30 homens e quatro ou cinco mulheres. Então, é um ato de coragem."

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